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segunda-feira, 21 de março de 2011

AÇORDAS

Açordas são importante item da culinária portuguêsa, derivadas da longa presença árabe na penísula . Dos textos hodiernos sobre o tema, escolhi este, de 2007, de Virgilio Nogeira Gomes.
De seguida, como se diz em Portugal, uma receita de açorda alentejana, a mais popular da terra de Camões.

"Parece inquestionável que a açorda é uma dádiva da presença dos árabes pelas nossas terras. Parece também que a açorda é um prato de subsistência, provavelmente na sequência de crises alimentares. E a sua chegada até nós deve-se à sua facilidade de confecção e sobretudo à mistura simples de produtos de base. O pão foi sempre, e ainda é, um alimento estruturante da nossa alimentação.
Quando analisamos as fontes, receituário, da presença árabe na península encontramos muitas sopas às quais se adicionava pão esfarelado ou cortado grosseiramente. Parece ser esta a origem das açordas. No entanto quase só na zona sul do país assumimos a designação açorda. Este termo nunca aparece associado às sopas de pão que ainda hoje se confeccionam nas Beiras ou Trás-os-Montes.
E temos a grande variante da açorda, que já não é sopa, e que se transformou num prato de referência em Portugal. Ninguém abdica na zona costeira das variadas açordas de peixes e marisco.
No tratado de cozinha árabe, Kitâb-al-tabîj, dos séculos X e XI, de autor anónimo, encontramos a primeira designação de açorda. Noutro tratado, de Ibn Abd al-Ra’uf, também se refere a açorda, com a designação de Tarid [thari:d] ou Tarida, em árabe, que quer dizer pão migado, ao qual se junta alho, coentros e água quente.
Em consulta de dicionários de árabe encontramos ainda o termo Ath thurdâ, que significa sopa com pão.
Mas é no século XIII que nos surge o mais famoso tratado da época. Trata-se da obra “Fudalat al-Khiwan…” escrito por Ibn Razin Tujibi entre 1238 e 1266, e cujo título eu traduzo, a partir do francês, para “As Delícias da Mesa e os Melhores Tipos de Comida”. Neste livro há um capítulo dedicado às Panades (sopas com pão) logo de seguida ao capítulo do pão. Encontramos 25 receitas de Panades maioritariamente enriquecidas com carnes desde o frango ao capão, passando pelo pombo e borrego ou pelo cordeiro. Também aparecem três receitas de leite que terminam sempre com açúcar e canela pelo que deveriam pertencem ao grupo da doçaria. Curioso é de notar que já existia uma receita de Panade afrodisíaca.
Surpreendente é verificar, quando consultamos receituário contemporâneo dos países do Magrebe, não encontrar as famosas sopas com pão. Será pela alteração na fabricação do pão? E isto devido à influência francesa durante a primeira metade do século XX?
Parece, no entanto, que será desta prática de sopas com pão que nasceram, e se transformaram, as nossas açordas.
Como referi no início o pão, ainda hoje, é um elemento estruturante da nossa alimentação. E no passado o pão teria que ser consumido na sua totalidade pelo seu valor de apoio permanente ao consumo. A sua aplicação na sopa seria uma forma de utilizar o pão mais velho e mais seco. Seria a sua absorção integral.
Encontramos em Gil Vicente possivelmente a primeira designação de açorda, na Farsa dos Almocreves: “Tendes uma voz tão gorda/ que parece alifante/ depois de farto de açorda”. E ainda não havia os actuais conceitos de estética do corpo, que hoje temos!
Todos sabemos que as sopas eram pratos de importância e capazes de fazer uma refeição completa e o pão cumpria bem a missão de a fazer engrossar. A castanha tinha utilização regional e a batata ainda estava longe de aparecer.
No primeiro livro de cozinha impresso em Portugal, de Domingos Rodrigues, “A Arte de Cozinha…”, em 1680, é feita uma clara distinção entre caldos e sopas, sendo que estas eram sempre confeccionadas com pão, ou este adicionado no final. Algumas vezes, e seria designação corrente, chamavam sopas às fatias de pão sobre as quais se colocavam produtos cozinhados especialmente carnes. Também Domingos Rodrigues nos apresenta três sopas doces, sempre com pão e açúcar e canela.
No livro que em seguida se publicou em Portugal, de Lucas Rigaud, “Cozinheiro Moderno, ou Nova Arte de Cozinha…”, em 1780, e com uma preocupação mais elitista da cozinha e a tentativa de instalação da moda francesa, não deixa de referir várias sopas iniciando a confecção da maioria com a preparação do pão. É pois constante que a designação de sopa esteja sempre associada ao pão.
Não encontrei a palavra açorda nestes nossos primeiros dois livros. Será que o termo estava destinado às confecções domésticas?
Em 1876 publica João da Mata o seu “Arte de Cozinha” especialmente destinado aos profissionais. Encontramos aqui a açorda com bacalhau, uma sopa de pão à portuguesa e ainda outras sopas com pão. A açorda aqui receituada não é uma sopa mas uma açorda muito semelhante às que hoje encontramos. Este livro entra com facilidade no século XX e será o manual dos profissionais da época.
Mas é com Carlos Bento da Maia, edição de 1904, com o título “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, que as açordas aparecem como confecção culinária e ilustradas com onze receitas, e fazendo bem a separação das muitas sopas com pão. Estamos na época do aparecimento de restaurantes, e a cozinha regional começa a evidenciar-se. Continua a haver, no entanto, um espírito de copiar a cozinha francesa dado que apenas esta é assumida como alta cozinha.
A presença da cozinha regional portuguesa, nos restaurantes, é assumidamente um acto positivo a partir dos anos 40. A imposição legal de nas Pousadas de Portugal, inauguradas a partir de 1942, ser obrigatoriamente servida cozinha regional, e projectadas como locais de elite, levou muitos restaurantes a seguir o seu exemplo. Em 1936 publica-se o livro “Culinária Portuguesa”, de António Maria de Oliveira Bello no qual é verdadeiramente feito o elogia e defesa da cozinha regional, onde são apresentadas sete receitas de açorda. Já mesmo autor tinha publicado no livro “Culinária”, 1928, uma receita de Açorda de Alhos à Portuguesa enquanto sopa à base de pão, sobre a qual se colocava ovos estrelados preparados à parte, ou ovos escalfados… Será a partir desta receita que nos aparece a “açorda à alentejana”, que enquanto açorda é a única sopa do nosso receituário regional?
Em 1940 publica-se o livro “Volúpia” de Albino Forjaz de Sampaio, e na minha opinião o primeiro livro de gastronomia em Portugal. O autor na sua descrição do Portugal Gastronómico lá refere a açorda, e apresenta mesmo uma receita em verso do poeta José Inácio de Araújo: “Açorda Portuguesa”, que classificada de invenção portuguesa, alimento fortificante e capaz de ter derrotado os mouros.
Mas qual é a realidade das açordas na cozinha portuguesa? Primeiro temos a açorda/sopa de que a Açorda Alentejana é o melhor exemplo. Depois a glorificação das açordas como prato completo e a imensa variedade de receituário desde o Douro, toda a costa atlântica com peixes e mariscos, da Beira ao Alentejo com o bacalhau, e o Alentejo com as carnes de porco e enchidos. Temos ainda o conceito de açorda como guarnição, ou complemento, de que saboreamos o excelente exemplo com sável e respectiva açorda de ovas. E teremos sempre açordas maravilhosas enquanto mantivermos a qualidade do nosso pão. Podem-se criar novas receitas, e mais inventivas. Pode molhar-se o pão com canja de galinha e misturar depois o marisco. O que não pode ser alterado é o nosso pão.
Forçados seremos a alterar pequenos comportamentos de acabamento de algumas açordas, a exemplo da foto ilustrativa. O prazer de vermos misturar a gema de ovo crua não será mais possível por questões de segurança alimentar. Que pena!

Observação ! Findo o texto de Virgilio, cabe a mim dizer que a açorda é, fora do Alentejo, o prato mais conhecido da culinária alentejana. Vai à mesa do pobre e do rico e raro é o dia que não constitui o almoço do trabalhador rural.
Tem muitas variantes, mais influenciadas pela mudança de estações do que, como é regra em cozinha trdicionais, de terra para terra.
É sempre um caldo quente e transparente, aromatizado com coentros ou poejos, ou os dois, alhos pisados com sal grosso e condimentado com azeite.
Dão-lhe consistência fatias ou bocados de pão de trigo, de preferência caseiro e duro.
Acompanha-se geralmente com ovos escalfados, que também podem ser cozidos, e azeitonas.
Muitas vezes, na água utilizada já se cozeu uma posta de pescada ou de bacalhau.
Também pode ser acompanhada com sardinhas assadas ou fritas e, no Outono, é muitas vezes
enriquecida com tiras finas de pimentão verde, que se escaldam com a água ao mesmo tempo que as ervas, e acompanhada com figos maduros ou um cacho de uvas brancas de mesa.

Hoje em dia, contudo, em especial fora do Alentejo, encontram-se açordas várias, até mesmo de presunto ibérico.

BOM APETITE!

Receita de Açorda Alentejana.

Ingredientes: Para 4  pessoas


  • 1 bom molho de coentros (ou um molho pequeno de poejos ou uma mistura das duas
    ervas
  • 2 a 4 dentes de alho
  • 1 colher de sopa bem cheia de sal grosso
  • 4 colheres de sopa de azeite
  • 1,5 litro de água a ferver
  • 400 grs de pão caseiro (duro)
  • 4 ovos
Confecção:

Pisam-se num almofariz, reduzindo-os a papa, os coentros (ou os poejos) com os dentes de alho, a que se retirou o grelo, e o sal grosso.
Deita-se esta papa na terrina ou numa tigelade meia cozinha, que neste caso fará ofícios de terrina.
Rega-se com o azeite e escalda-se com a água a ferver, onde previamente se escalfaram os ovos (de onde se retiraram).
Mexe-se a açorda com uma fatia de pão grande, com que se prova a sopa.
A esta sopa dá-se o nome de sopa «azeiteira» ou «sopa mestra».
Introduz-se então no caldo o pão, que foi ou não cortado em fatias ou em cubos com uma faca, ou partido à mão, conforme o gosto.
Depois, tapa-se ou não a açorda, pois uns gostam dela mole e outros apreciam as suas sopas
duras.
Os ovos são colocados no prato ou sobre as sopas na terrina, também conforme o gosto.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Para variar

Recebi por e-mail e repasso,para variar.

Pergunta: Alguém sabe me explicar, num português claro e direto, sem
figuras de linguagem, o que quer dizer a expressão "no frigir dos
ovos"?

Resposta:

Quando comecei, pensava que escrever sobre comida seria sopa no mel,
mamão com açúcar. Só que depois de um certo tempo dá crepe, você
percebe que comeu gato por lebre e acaba ficando com uma batata quente
nas mãos. Como rapadura é doce mas não é mole, nem sempre você tem
idéias e pra descascar esse abacaxi só metendo a mão na massa.

E não adianta chorar as pitangas ou, simplesmente, mandar tudo às favas.

Já que é pelo estômago que se conquista o leitor, o negócio é ir
comendo o mingau pelas beiradas, cozinhando em banho-maria, porque é
de grão em grão que a galinha enche o papo.

Contudo é preciso tomar cuidado para não azedar, passar do ponto,
encher linguiça demais. Além disso, deve-se ter consciência de que é
necessário comer o pão que o diabo amassou para vender o seu peixe.
Afinal não se faz uma boa omelete sem antes quebrar os ovos.

Há quem pense que escrever é como tirar doce da boca de criança e vai
com muita sede ao pote. Mas como o apressado come cru, essa gente
acaba falando muita abobrinha, são escritores de meia tigela, trocam
alhos por bugalhos e confundem Carolina de Sá Leitão com caçarolinha
de assar leitão.

Há também aqueles que são arroz de festa, com a faca e o queijo nas
mãos, eles se perdem em devaneios (piram na batatinha, viajam na
maionese... etc.). Achando que beleza não põe mesa, pisam no tomate,
enfiam o pé na jaca, e no fim quem paga o pato é o leitor que sai com
cara de quem comeu e não gostou.

O importante é não cuspir no prato em que se come, pois quem lê não é
tudo farinha do mesmo saco. Diversificar é a melhor receita para
engrossar o caldo e oferecer um texto de se comer com os olhos,
literalmente.

Por outro lado se você tiver os olhos maiores que a barriga o negócio
desanda e vira um verdadeiro angu de caroço. Aí, não adianta chorar
sobre o leite derramado porque ninguém vai colocar uma azeitona na sua
empadinha, não. O pepino é só seu, e o máximo que você vai ganhar é
uma banana, afinal pimenta nos olhos dos outros é refresco...

A carne é fraca, eu sei. Às vezes dá vontade de largar tudo e ir
plantar batatas. Mas quem não arrisca não petisca, e depois quando se
junta a fome com a vontade de comer as coisas mudam da água pro vinho.

Se embananar, de vez em quando, é normal, o importante é não desistir
mesmo quando o caldo entornar. Puxe a brasa pra sua sardinha, que no
frigir dos ovos a conversa chega na cozinha e fica de se comer
rezando. Daí, com água na boca, é só saborear, porque o que não mata
engorda.

quarta-feira, 9 de março de 2011

"Família é prato difícil de preparar"

Recebi de amiga muito querida - e tímida- uma saborosa contribuição que repasso desejando que todos também a saboreiem.

"Família é prato difícil de preparar"
(de "O Arroz de Palma, de Francisco Azevedo)

Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.

E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.


Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini, Família à Belle Meunière; Família ao Molho Pardo, em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é a Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seriam assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.


Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.

"Se tivéssemos consciência do quanto nossa vida é passageira,
talvez pensássemos duas vezes antes de jogar fora as oportunidades
que temos de ser e de fazer os outros felizes."

segunda-feira, 7 de março de 2011

MAHALIA JACKSON ~ Jesus Met The Woman At The Well

NADA MELHOR QUE MAHALIA JACKSON PARA NOS EXPURGAR DA MÚSICA CARNAVALESCA ATUAL BRASILEIRA. AMANHÃ, TERÇA-FEIRA GORDA, VAMOS VERSAR SOBRE AS COMIDAS DE CARNAVAL.

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domingo, 27 de fevereiro de 2011

E ele era feliz e nao sabia



Era domingo.  Profissional muito bem sucedido, gostava de passar essas tardes preguiçosas apreciando cada detalhe de seu vasto jardim. Inspecionando os “domínios”, como lhe aprazia dizer para si mesmo,  sorrindo com o canto dos  lábios.
Observava tucanos, sanhaços e sabiás com inspiração e enlevo, portando nos olhos um brilho delicado, distante e especial.

Este ensemble conjuntural, esta multitude de sons e cores formando um só e suavemente inebriante todo, compõem deleitoso prazer que a ele faz viajar em verdadeiro transe dionisíaco capaz de  lhe erradicar as inibições. Era, sempre fora,  Dionísio, talvez daí seu amor ao néctar das videiras e, por seus jardins embevecedores, sátiros, centauros e ninfas bebem o vinho, tocam flautas, tomam parte em danças e jogos amorosos.

Tem especial predileção pelo lago povoado por carpas multicoloridas que fizera instalar sob o piso de cristal do varandão do salão de estar, verdadeiro batelão urbano fincado às margens de uma lâmina d’água prenhe de ninféias, nascida no mirífico berço de seus devaneios. Mirando plantas, nuvens, aves e peixes, livre de qualquer amarra ao presente, nesses momentos saltita pelo tempo sem qualquer ordem ou hierarquia, indo do mais longínquo passado ao mais improvável futuro com espantosa velocidade.

Naquele domingo, a mente estava especialmente inquieta. Transitava entre as lembranças, as projeções e as conclusões num redemoinho ciclópico que em pouquíssimo tempo o levou adiante para o passado.

A família, vinda do interior tangida pela sorte (vicissitudes) , havia se espraiado pela metrópole. O mais culto, seu pai, profissional liberal que de fato se liberara, e os que a ele se igualaram pela bolsa bafejada pela abastança, moravam na zona sul da cidade, próximo ao mar. Os outros, bem, os outros eram os outros. Seres simples, moradores de subúrbio, com casinhas singelas, fachadas ornadas por quadros em azulejos, trabalhavam no pequeno comércio, sobrevivendo, mas cavando à unha a escada do próprio sucesso.
Tendo na memória genética o espírito gregário dos clãs ancestrais, esses descendentes de libaneses tinham tendência a se agruparem em manada, o que faziam com regularidade aos domingos.
Da infância e adolescência, por isso, tinha a marcada memória dos almoços dominicais, vários deles com o conforto da brisa marinha, muitos outros, porém,  regados a calor suarento de subúrbio, burburinho de primos que falavam alto e Ataulfo Alves na vitrola, cantando as saudades de Miraí e a nostalgia dos tempos de criança, em que ele, Ataulfo, era feliz e não sabia. Na época e nas circunstâncias, não compreendia o compositor.

Quando o almoço não era o autenticamente farto mezzeh libanês encenado na zona sul por cunhadas e concunhadas que mal disfarçavam a competição, tudo era diferente. A começar pela viagem para as paragens suburbanas da primalhada, jornada  um tanto desagradável  em seu trajeto, pela distância e pelo calor abafado , num tempo em que os carros não conheciam ar condicionado.

Mas havia compensações.  

Se nos dias de semana, naquela época, o trânsito era bom, nas manhãs de domingo era simplesmente adorável, pois permitia que seu pai dirigisse muito rápido, sacolejando o brioso Vauxhall pelas ruas de paralelepípedos, fazendo do carro inglês berço a balançá-lo para junto dos corpos da primas apetitosas a quem sempre davam carona e entre as quais se sentava.

Por outro lado, outros prazeres encontrava após a chegada. Adorava cruzar com os olhos vivazes, espertos e ardentes da vizinha da tia. Instado a dançar, encontrava deleite na cintura de vespa da namorada do primo, entopetado e gabola, candidato a corno. E que delícia  as coxas roliças da amiga da prima suburbana, em quem se roçava no trânsito pelo pequeno corredor da casa. Pena que, em razão das circunstâncias, ficava só nisso.

Pela mesma razão, a compensação maior vinha com o nome de macarronada. Era uma coisa rara e  respeitosa. Entronizada como algo divino, a macarronada tinha um quê de cerimônia.  Macarrão grosso, daqueles pacotes compridos e azuis. Queijo mineiro, ralado grosso. O molho,  alquimicamente preparado pela avó durante horas, era outra raridade. Coisa incomum, então como hoje!
Por isso, dedicava-se com afinco, deleite e prazer orgástico à sápida massa, al dente e untuosa. Às bocadas, fazia rolar pelo palato e por todas as papilas gustativas, sorvendo cada sensação com olhos fechados e um longo suspiro, enquanto lhe percorria, da nuca ao cóccix, um arrepio indescritível.
De tudo isso, porém, hoje só restam as reminiscências e a receita da macarronada da avó.
Ingredientes
1 quilo de alcatra ou patinho, limpo e cortado bem miúdo (não moer)
½ quilo de copa cortada em cubinhos
80 gr. de toucinho defumado cortado bem miudinho
1 xícara de azeite de oliva extra virgem
2 cebolas cortadas em cubos pequenos
5 dentes de alho cortados em lâminas bem finas
2 colheres de sopa de alcaparras em conserva
200 gr. de azeitonas pretas gregas, sem caroço
4 colheres de sopa de cheiro verde picado
2 colhers de chá de orégano
4 folhas de louro
2 colheres das de café de bicarbonato em pó
20 tomates maduros, sem pele e sem sementes, batidos no liquidificador
2 xícaras de extrato de tomate
Modo de preparar
1. Aqueça bem o azeite de oliva e coloque o toucinho defumado deixando derreter e fritar bem
2. Acrescente o alho, a cebola
3.Coloque a carne e frite até ficar bem dourada
4. Acrescente a copa, as alcaparras, as azeitonas, o orégano e o louro e deixe refogar bem por 20 minutos
5. Coloque os tomates batidos e o extrato de tomates e deixe levantar fervura. Salgue a gosto
5. Reduza em fogo bem brando, mexendo de vez em quando até o molho engrossar bem, sem grudar no fundo da panela e a carne estar bem macia. Se necessário vá pingando vagarosa e controladamente água durante o cozimento
6. Quando estiver pronto, acrescente o bicarbonato, deixe levantar fervura , mexa bem e apague o fogo.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Em Paris chez Sola, um japa dos deuses!!!

Usar pantuflas é obrigatório, mas não se inquiete, o garçon se encarrega de emprestar.
Devidamente calçado, ou melhor, pantuflado,  você já está pronto para uma inesquecível refeição sentado no chão, bem ao estilo da tradição nipônica.
  Estamos em Paris e.... Bienvenue chez Sola.
Ao nível da rua, nada demais, é em baixo que tudo rola. Dez mesas  esperam para um repasto segundo os rituais japoneses,   com os travesseiros depositados sobre o solo  e a louça fabricada pela casa.  Desgustam-se com reverência os pratos "dementes" de Hiroki, antigo cozinheiro do Astrance. os bonbons de foie gras poêlé au miso, des noix de Saint-Jacques au basilic japonais, de la guimauve au soja...Êxtase, arrebatamento, paraíso!!!!

Estadado ao sair: zen, mas tão zen, que se esquece de pegar os calçados.

Restaurant Sola, 12 rue de l'Hôtel Colbert, 75 005
Tél : 01 43 29 59 04, reserva obrigatória.
Peça uma mesa no sub-solo.
Menu de almoço : 35€   /Menu de jantar : carta com 6 ou 7 pratos, à 45€ ou 60€

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

43 FILMES

43 filmes envolvendo gastronomia.


1)       A comilança
2)       A festa de Babette
3)       A Grande Noite
4)       Alimento da Alma
5)       Amor à Flor da Pele
6)       Amor Está Na Mesa 
7)       As Férias da Minha Vida
8)       As Luzes de um Verão
9)       Bagdá Café
10)   Banquete De Casamento
11)   Casamento Do Meu Melhor Amigo
12)   Chocolate
13)   Comer, Beber, Viver
14)   água para chocolate
15)   Delicatessen
16)   Estomago
17)   Fantástica Fábrica de Chocolate
18)   Herencia
19)   Histórias de Cozinha
20)   Jamon, jamon, jamon
21)   Jantar com Amigos
22)   Mondovino
23)   Mulher do Padeiro
24)   Nação Fast Food
25)   Amor Está na Mesa
26)   Cheiro de Papaia Verde
27)   Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante
28)   Jantar
29)   Tempero da Vida
30)   Último Jantar
31)   Os Cinco Sentidos
32)   Os Sem-Floresta
33)   Quando é que vamos comer?
34)   Quem Está Matando os Grandes Chefs da Europa?
35)   Ratatouille
36)   Sabor da Paixão
37)   Side ways entre umas e outras
38)   Simplesmente Irresistível
39)   Simplesmente Martha
40)   Tampopo – Os Brutos Também Comem Spaghetti
41)   Tomates verdes fritos
42)   Uma Receita Para a Máfia
43)   Vatel – Um Banquete Para o Rei

Mais informações no site:

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A GALINHA ESQUECIDA

Fui, anteontem, a Restinga acompanhar a feitura de um vídeo-clip de Nanda Bel, menininha da idade de minha filha mais nova e filha de uma doce criatura, meu amigo Gilson de Souza, que, com grande dignidade, já vai para seu quarto mandato como deputado estadual por São Paulo.
Lógico que pensei em aproveitar o momento para apreciar, com a boa companhia, tudo aquilo que a cozinha regional pode oferecer, e à qual meu pai, daquela região oriundo - meu pai era de Franca - não se cansava de tecer loas, a começar pela galinha caipira feita com capricho, amor, engenho e arte.
Mas, não aconteceu assim.
Findas as intermináveis e repetidas tomadas (takes), fomos, aleluia, jantar em Franca.
Franca me surpreendeu. Como a cidade cresceu, que vida pujante à noite!
De forma suave bateu-me uma saudade nostálgica dos dias em que, na juventude, por lá passava fins de semana deliciosos, tão somente sendo feliz, muito embora disso só viesse a ter conta quando a poeira do tempo já se tinha depositado em minhas têmporas e , só por isso, me tornara um cidadão respeitável, e, sem poder escapar, encanecido.
Fui levado a um restaurante de nome italiano freqüentado, aparentemente, por clientela classe média afluente, que mais me pareceu, porém, apesar do apelo peninsular, uma casa sem personalidade marcadamente definida, de cozinha multifacetada, sabendo mais a churrascaria levemente sofisticada
Como ando em fase de peixes, experimentei, nesta ordem, um salmão grelhado, um pintado na brasa e um bacalhau também grelhado.
O salmão, que pensei que viria burocraticamente insosso e seco, como seus confrades das churrascarias da vida, veio respeitado: saboroso e cozido com perfeição sem que tenha perdido seus sumos.
O pintado na brasa revelou-se uma gratíssima surpresa. Fresco, tempero mais que exato, leve, assado à perfeição. Pedi bis e já estou com saudades.
O bacalhau, corretíssimamente dessalgado e preparado com primor, fez-se acompanhar de adorável coorte de batatas, pimentões e quejandos, ricamente regados a bom azeite. Em resumo: valeu a pedida.
Para acolitar os acepipes, preferimos, pelo nome da casa, um vinho também italiano, que fosse honesto em sua proposta e suave no bolso.
A Itália é o líder mundial de vinho, produz e consome mais vinho que qualquer outro país no mundo.
A expansão dos vinhos italianos é surpreendente, tanto pela quantidade dos tipos de uva quanto pelos estilos diferentes de vinhos. O interesse pelos vinhos italianos está crescendo e as recompensas estão aqui para aqueles que persistirem. Os que procuram se aventurar com novos vinhos e procuram vinhos que combinem com o prato e com a bolsa, estão se voltando para as variedades italianas tradicionais, tais como Sangiovese, Barbera e Pinot Grigio.
Roma é, além da capital da Itália, capital da região do Lácio, onde , do latim vulgar falado pelos soldados de então, nasceu a língua portuguesa, como bem versou Camões e melhor explica Olavo Bilac no soneto "Língua Portuguêsa", com a metáfora "última flor do Lácio, inculta e bela".
No Lácio, também se encontra a comuna de Frascati, onde se elabora um vinho branco seco feito com as castas Trebbiano e Malvasia.
É um vinho de mesa elegantemente harmônico e bem equilibrado. Apresenta cor palha clara, sabor sápido, macio, fino e aveludado. Ideal para acompanhar peixes, massas e risotos. E mais, é barato.
Pois bem. Pedimos um Frascati que, em temperatura adequada pela espera que fizemos com ele no balde de gelo, veio a nos saciar a sede e embalar o papo furado até que, a desoras, arrepiamos carreira de volta a Ribeirão. 
O repasto regional, a galinha caipira?  Bem... fica por conta de eventual futuro convite do deputado.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011


Bolo de cenoura (de liquidificador),   com calda de chocolate durinha

Deparei-me com a secretária doméstica folheando o velho Dona Benta à procura de receita de bolo de cenoura.

Para facilitar a vida dela e, sobretudo, a minha,  já que não posso, hoje, ficar muito tempo explicando nem receitas de bolo nem as reações físicas e químicas que ocorrem na elaboração de algo tão prosaico, resolvi imprimir a receita que abaixo transcrevo, de fácil compreensão e mais fácil ainda execução.

Maior  facilidade impossível, já que se trata de bolo de liquidificador, o que atende a gregos e troianos: secretárias domésticas, solteirões, esposas dedicadas, mas inexperientes,  namoradinhos na fase do encanto e, por aí,vai.

  • 2.5 copos de cenoura [crua e ralada (ou 300g)] ,
  • 1 xícara de óleo
  • 3 xícaras de  farinha de trigo
  • 2 xícaras de açúcar
  • 4 ovos
  • 1 colher de sopa de fermento em pó
1 - Bata bem, no liquidificador, as cenouras cruas junto com o óleo e os ovos inteiros. Reserve
2- Em uma vasilha, misture a farinha e o açúcar.
3- Junte a mistura do liquidificador com a farinha e o açúcar. Misture bem.
4- Adicione o fermento em pó e misture de forma suave e delicada com a massa. Reserve.
5-  Unte e enfarinhe uma assadeira média
6-  Despeje a massa na assadeira.
7-  Leve ao forno pré-aquecido a uma temperatura de cerca de 200 gaus por mais ou menos 35 minutos ou até estar cozido e dourado.

Regalem-se. não sem antes aperfeiçoarem sua obra com uma

COBERTURA DE CHOCOLATE DURINHA
 O segredo do "durinho" da cobertura é o açúcar e o tempo no fogo.
INGREDIENTES
PASSO A PASSO
  1. Misture todos os ingredientes e leve ao fogo.
  2. Deixe cozinhar até levantar fervura e soltar do fundo da panela, mexendo sempre.
  3. Despeje sobre o bolo ainda quente: para que ele absorva um pouco da cobertura ou...
  4. Despeje sobre o bolo morno: para que ele não absorva a cobertura

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

                                  VAMOS COMEÇAR A FALAR DE VINHOS

Poderíamos começar a falar de vinhos pelos franceses, numa viagem de nordeste a sudeste passando pelas regiões do Jura, da Borgonha, de Bordeaux.
Mais ao ssul/sudeste, poderíamos atravessar o País Basco para, adentrando a Espanha,  focar os espanhóis da Rioja e vários outros.
Mas,  nesta primeira vez, vamos falar de um vinho de nosso avozinho, Portugal.
Trata-se de um vinho da região do Dão.
A Região Demarcada do Dão foi instituída em 1908. Situada no centro de Portugal, na província da Beira Alta, esta região caracteriza-se por um relevo ocidentado a norte.
A região do Dão tem cerca de 20 000 hectares de vinha em mais ou menos 376 000 hectares de terra, que se estendem por vários distritos como: Cimbra, Guarda e Vizeu.
Existem vários vinhos no Dão, sendo mais conhecidos os tintos, em especial os das terras altas e os da meia encosta.
Vamos ficar, contudo com os elaborados com a casta Encruzado.
O cultivo da casta Encruzado é praticamente exclusivo da zona do Dão, sendo provavelmente a melhor casta branca plantada na região. É utilizada na produção da maioria dos vinhos brancos através de vinhos de lote ou de vinhos monovarietais.
A casta Encruzado tem uma boa produção e é bastante equilibrada em açúcar e acidez. Por outro lado, é muito sensível à podridão e a condições climatéricas desfavoráveis (chuva e vento).
Os vinhos compostos por esta casta são muito aromáticos e de sabor acentuado. Apresentam uma longevidade fora do comum, uma vez que podem conservar-se em garrafa durante muitos anos.
Resulta um vinho com paladar muito jovem e fresco, com aromas de boca intenso, bem frutado e típico. Na boca apresenta-se fresco, estruturado e algo volumoso com final persistente.
Devido ao processo de fermentação, temos um branco para beber imediatemente, mas também com capacidades de envelhecimento em garrafa, nesta aumentando sua complexidade.
Pode acompanhar diversos tipos de pratos, como mariscos, todos os pratos de peixe ou pratos de carne mais leves.
Servir a 8-10ºC
 Bem, amigos, por aqui ficamos por hoje.
Saúde!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

                     BIEN VENUES CHEZ MOI!   BIEN MANGER!


Aqui no blog, recebi duas visitas sensecionais. A da Eunice Ferreira, a quem não vejo há uns 13 anos,  e a  do meu bom amigo José Henrique Germann Ferreira (considero o Zé meu mais novo amigo de infância).   Do Zé recebi a seguinte colaboração:

TORTA DE ARROZ COZIDO
(para aproveitar as sobras)
Dá para fazer meia receita, é só diminuir tudo à metade e usar 1 colher de sobremesa de fermento em pó ao invés de 1 colher de sopa.  O tempo de forno a cerca de 220º é de aproximadamente 40 a 45 minutos.
Ingredientes
2 xícaras de arroz cozido
2 xícaras de leite
2 ovos
1 xícara de farinha de trigo
½ xícara de queijo parmesão ralado
´1/3  xícara de óleo
1 colher de sopa de fermento em pó
Modo de fazer
Fácil: colocar todos os ingredientes no liquidificador, ou bater com mixer. Deixar somente o fermento que deve ser adicionado ao final.
Na forma untada e enfarinhada (essa parte eu acho chata, mas necessária) dispor ½ da massa, em seguida o recheio, no seu caso como já disse uma bela lingüiça, adicionei dois tomates cortados bem finos e um pouco de mussarela. Em seguida colocar o restante da massa e a próxima etapa é assá-lo em forno previamente aquecido.

BOLO DE LARANJA COM CASCA
Receita da Fátima, carioca, voluntária do Conselho Familiar do Instituto da Criança
Ingredientes e modo de fazer
1ª etapa
No liquidificador colocar 4 ovos, ½ xícara de óleo, 1 laranja pêra média com casca, picada em quadradinhos- escolher uma com a casca bem amarela- retirar os caroços e o fiapo branco central. Pessoas muito detalhistas já me perguntaram quanto de volume deve ocupar a laranja picada, fui medir e quase sempre dá o equivalente a uma xícara bem cheia, serve como referência. Bater bem, porém não muito, deve ficar uma massa fina com grumos.
2ª etapa
Peneirar 2 xícaras de açúcar, 2 xícaras de farinha de trigo e 1 colher de sopa de fermento em pó. Misturar bem.
Não sei se fará diferença, todavia como meus bolos embatumam, fiz como a Fátima recomendou: Colocar a massa líquida em uma tigela e em seguida ir adicionando a mistura peneirada aos poucos e misturar delicadamente.  É rápido, não será preciso meditar ou refletir durante o procedimento, somente deve-se ser cuidadoso ao mexer para deixar a massa bem fofa e leve. Uah! O Alberto sempre reclama que os doces são muito doces, tenho feito com 1 ½ xícara de açúcar e segundo a sua reavaliação ficou melhor. Entretanto mesmo assim ele continua comendo pouco doce.
Eu gosto de bolos simples, caso queira deixá-lo mais úmido (ele já fica bem fofo e alto) assim que retirar do forno, dar umas furadinhas com garfo e regar com caldo de laranja adoçado. Também fica muito legal.

Enjoy it

jh


Voltaremos, amigos, para falar sobre sobras e aproveitamentos, enquanto isso lembrem-se do ditado português:

À moça a quem bem sabe o pão, perdido é o alho que lhe dão.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Paris,chocolate e romance.

Debauve&Galais )


Acordaram dispostos. Antes mesmo de descerem à cave de seu charmoso hotel-jardim para  o café da manhã com os mais delicados croissants que jamais haviam conhecido, deram-se ao desfrute mútuo com tamanha volúpia e tanto romance que nem parecia que mal tinham acabado de acordar de um profundo sono de paz, daquela paz que só o amor bem feito sabe propiciar.
Petit déjeuner tomado, à saída pegaram à esquerda e, pela Rue Vavin,  não demoraram a alcançar o Jardin du Louxembourg. O dia de outono estava simplesmente maravilhoso e, por isso, atravessaram o parque com bastante vagar, gozando o cair das folhas e fruindo cada partícula dos sorrisos que mutuamente se provocavam, numa manifestação sensível de intensa e despreocupada felicidade.
Enquanto caminhavam, ele, com indisfarçado enlêvo, mirava o corpo pequeno, convidativo e cheiroso da namorada e relembrava o distante dia em que primeiro se falaram, na Serra Gaúcha. Ela, estranhamente, além dos filhos, naquela ocasião também tinha ao derredor, mas mantido distante, o ex-marido, que lá estava como inútil apêndice sem função, a não ser a de fazer caras e bocas. Foi lá, numa chocolataria de Gramado, que a ele, sem ela, veio a idéia de ter chocolate, Mme V. e Paris ensemble numa só e deleitosa combinação de tempo, prazer e espaço. Pois bem, ali estavam, e sós, os dois.
Naquela quarta-feira em Paris, além de obviamente namorarem muito, dois outros eram os objetivos a serem alcançados. No tour pedestre que ele havia programado ainda no Brasil, incluíam-se admiração da arquitetura -- para satisfazer a arquiteta que ainda nela habitava e o puro prazer estético de que ele é possuído -- e, também, para supremo deleite de ambos, degustar chocolate.
Daí, para a primeira parada, foi um pulo.
Saíram do Jardin du Louxembourg, almas já regaladas pelas aléas, o gradil e a fonte.
Derivando pelo Boulevard Saint Michel, foram dar com os costados no nº 108 do Boulevard de Saint Germain, onde lhes esperava a obra de um gênio que, com engenho e arte,  recriou a chocolataria na França – Patrick Roger.  Lá, sem poderem consumir esculturas como a famosa Poseidon, limitaram-se à pequena maravilha apropriadamente chamada  Melodie – uma divina  harmonia composta de sutilezas intensas do caramelo, aromas ressonantes de frutas e qualidades suavemente ácidas da pele da lima brasileira. União de sabores selvagens numa charmosa fusão de perfumes e cores no que nós chamamos de bombom.
Dispostos a não se desviarem de seus propósitos, rumaram pelo boulevard Saint-Michel até a rua Soufflot, para uma visita ao Panteon, onde, num devaneio, pensou ele, em sendo Eros, erigir à ela um templo para Afrodite e Psyché, dada sua condição de deusa e mulher, mulher deusa.
Apertando o passo, já em marcha, só de longe olharam  para a boutique do bicentenário Dalloiyau. Nem o cafezinho no terrasse, sem o qual para ele Paris não é Paris, tomaram. Deixaram para outro momento. Retornaram pela Rua Soufflot e começaram a contornar o parque pela Rua Vaugirard. O destino dodos dois era  Pierre Hermé (72, rue Bonaparte).
Foi ali que  Mme. V se dedicou com tanto prazer dos sentidos a um  "Cérise sur le Gateau" que, com seu modo lascivo e olhar lânguido  direcionado ao parceiro, mais parecia estar a sorver o namorado.  
Ora, luxúria e gula são pecados. E capitais. Não sem motivo, portanto, seguindo o plano do dia, em poucos e rápidos passos regados a muitos e seguidos abraços, já estavam no Boulevard de Saint Germain, nesta altura já o chamando de Sangê, e pararam em frente à igreja de Saint-Germain-des-Près. Pensaram em entrar, mas preferiram dar um tempo. Seus pensamentos do momento já viam naquele templo o altar de Himeneu, a que acorrem aqueles que tocam o arco abrasador do amor. Por fim, entraram, para apreciação da centenária obra e expiação dos ditos e capitais pecados. Contudo, no silêncio do êxtase que o templo impõe pelo belo e pelo sagrado, as memórias sápidas do beijo de bom dia e do divino gateau  de minutos antes romperam com todos os freios de que ela dispunha e Mme. V.   beijou o namorado com um beijo tão molhado que fez corar as pedras do santuário.
Banidos pelo eloqüente pigarrear de uma devota anciã, bateram rápido em retirada, tão depressa que nem perceberam que, num segundo, passando batidos pelo Les Deux Magots e pelo Café de Flore, deixando para trás as lembranças de Picasso,Hemingway,Sartre e Simone de Beauvoir, já tinham chegado a outro precioso templo: o Debauve&Galais.
O  Debauve&Galais, quase grudado à igreja (30, rue des Saints-Pères), é uma verdadeira instituição francesa. Inaugurado em1800, provedores de casas reais, é, até hoje, chiquérrimo e um must para verdadeiros connoisseurs, com produtos contendo 72%, 85% e, até, 99% de puríssimo e selecionado cacau aromático destinados a uma exclusiva clientela de chocólatras puristas. Lá, chocolate, mais do que a bebida dos deuses astecas, é, em si, uma religião, o que faz com que sua degustação requeira meditação e reavaliação do senso dos valores verdadeiros. Cada momento do chocolate deve ser um momento da eternidade, do transcender. Limitaram-se, assim, Mr. e Mme., a um pequeno assortment  noir  e, serenos, com a exclusiva e recíproca companhia, cúmplice e silente do amante amado,  totalmente enlevados se permitiram serem absorvidos ao sabor do chocolate que lentamente se lhes derretia à língua, o que fez percorrer, para os dois, da nuca até a base da coluna, um frisson  que bem conheciam, prenúncio de devaneios indizíveis, de puro deleite, no ágape que cada um representava para o outro na cumplicidade do aconchego. A lembrança da beata, contudo, lhes limitou a um complacente sorriso com o olhar e a um doce selinho.
Mais uma centena de metros e já pegavam a Rue de l’Université para chegarem à Point Royal,  por onde deixariam a Rive Gauche nesta manhã de glória.