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sábado, 22 de janeiro de 2011

Paris,chocolate e romance.

Debauve&Galais )


Acordaram dispostos. Antes mesmo de descerem à cave de seu charmoso hotel-jardim para  o café da manhã com os mais delicados croissants que jamais haviam conhecido, deram-se ao desfrute mútuo com tamanha volúpia e tanto romance que nem parecia que mal tinham acabado de acordar de um profundo sono de paz, daquela paz que só o amor bem feito sabe propiciar.
Petit déjeuner tomado, à saída pegaram à esquerda e, pela Rue Vavin,  não demoraram a alcançar o Jardin du Louxembourg. O dia de outono estava simplesmente maravilhoso e, por isso, atravessaram o parque com bastante vagar, gozando o cair das folhas e fruindo cada partícula dos sorrisos que mutuamente se provocavam, numa manifestação sensível de intensa e despreocupada felicidade.
Enquanto caminhavam, ele, com indisfarçado enlêvo, mirava o corpo pequeno, convidativo e cheiroso da namorada e relembrava o distante dia em que primeiro se falaram, na Serra Gaúcha. Ela, estranhamente, além dos filhos, naquela ocasião também tinha ao derredor, mas mantido distante, o ex-marido, que lá estava como inútil apêndice sem função, a não ser a de fazer caras e bocas. Foi lá, numa chocolataria de Gramado, que a ele, sem ela, veio a idéia de ter chocolate, Mme V. e Paris ensemble numa só e deleitosa combinação de tempo, prazer e espaço. Pois bem, ali estavam, e sós, os dois.
Naquela quarta-feira em Paris, além de obviamente namorarem muito, dois outros eram os objetivos a serem alcançados. No tour pedestre que ele havia programado ainda no Brasil, incluíam-se admiração da arquitetura -- para satisfazer a arquiteta que ainda nela habitava e o puro prazer estético de que ele é possuído -- e, também, para supremo deleite de ambos, degustar chocolate.
Daí, para a primeira parada, foi um pulo.
Saíram do Jardin du Louxembourg, almas já regaladas pelas aléas, o gradil e a fonte.
Derivando pelo Boulevard Saint Michel, foram dar com os costados no nº 108 do Boulevard de Saint Germain, onde lhes esperava a obra de um gênio que, com engenho e arte,  recriou a chocolataria na França – Patrick Roger.  Lá, sem poderem consumir esculturas como a famosa Poseidon, limitaram-se à pequena maravilha apropriadamente chamada  Melodie – uma divina  harmonia composta de sutilezas intensas do caramelo, aromas ressonantes de frutas e qualidades suavemente ácidas da pele da lima brasileira. União de sabores selvagens numa charmosa fusão de perfumes e cores no que nós chamamos de bombom.
Dispostos a não se desviarem de seus propósitos, rumaram pelo boulevard Saint-Michel até a rua Soufflot, para uma visita ao Panteon, onde, num devaneio, pensou ele, em sendo Eros, erigir à ela um templo para Afrodite e Psyché, dada sua condição de deusa e mulher, mulher deusa.
Apertando o passo, já em marcha, só de longe olharam  para a boutique do bicentenário Dalloiyau. Nem o cafezinho no terrasse, sem o qual para ele Paris não é Paris, tomaram. Deixaram para outro momento. Retornaram pela Rua Soufflot e começaram a contornar o parque pela Rua Vaugirard. O destino dodos dois era  Pierre Hermé (72, rue Bonaparte).
Foi ali que  Mme. V se dedicou com tanto prazer dos sentidos a um  "Cérise sur le Gateau" que, com seu modo lascivo e olhar lânguido  direcionado ao parceiro, mais parecia estar a sorver o namorado.  
Ora, luxúria e gula são pecados. E capitais. Não sem motivo, portanto, seguindo o plano do dia, em poucos e rápidos passos regados a muitos e seguidos abraços, já estavam no Boulevard de Saint Germain, nesta altura já o chamando de Sangê, e pararam em frente à igreja de Saint-Germain-des-Près. Pensaram em entrar, mas preferiram dar um tempo. Seus pensamentos do momento já viam naquele templo o altar de Himeneu, a que acorrem aqueles que tocam o arco abrasador do amor. Por fim, entraram, para apreciação da centenária obra e expiação dos ditos e capitais pecados. Contudo, no silêncio do êxtase que o templo impõe pelo belo e pelo sagrado, as memórias sápidas do beijo de bom dia e do divino gateau  de minutos antes romperam com todos os freios de que ela dispunha e Mme. V.   beijou o namorado com um beijo tão molhado que fez corar as pedras do santuário.
Banidos pelo eloqüente pigarrear de uma devota anciã, bateram rápido em retirada, tão depressa que nem perceberam que, num segundo, passando batidos pelo Les Deux Magots e pelo Café de Flore, deixando para trás as lembranças de Picasso,Hemingway,Sartre e Simone de Beauvoir, já tinham chegado a outro precioso templo: o Debauve&Galais.
O  Debauve&Galais, quase grudado à igreja (30, rue des Saints-Pères), é uma verdadeira instituição francesa. Inaugurado em1800, provedores de casas reais, é, até hoje, chiquérrimo e um must para verdadeiros connoisseurs, com produtos contendo 72%, 85% e, até, 99% de puríssimo e selecionado cacau aromático destinados a uma exclusiva clientela de chocólatras puristas. Lá, chocolate, mais do que a bebida dos deuses astecas, é, em si, uma religião, o que faz com que sua degustação requeira meditação e reavaliação do senso dos valores verdadeiros. Cada momento do chocolate deve ser um momento da eternidade, do transcender. Limitaram-se, assim, Mr. e Mme., a um pequeno assortment  noir  e, serenos, com a exclusiva e recíproca companhia, cúmplice e silente do amante amado,  totalmente enlevados se permitiram serem absorvidos ao sabor do chocolate que lentamente se lhes derretia à língua, o que fez percorrer, para os dois, da nuca até a base da coluna, um frisson  que bem conheciam, prenúncio de devaneios indizíveis, de puro deleite, no ágape que cada um representava para o outro na cumplicidade do aconchego. A lembrança da beata, contudo, lhes limitou a um complacente sorriso com o olhar e a um doce selinho.
Mais uma centena de metros e já pegavam a Rue de l’Université para chegarem à Point Royal,  por onde deixariam a Rive Gauche nesta manhã de glória.

GASTRONOMIA, ESTA DESCONHECIDA!!!

A gastronomia é um ramo que abrange a culinária, a gastrologia a gastrotecnia, os materiais usados na alimentação, a estética dos alimentos e, em geral, todos os aspectos culturais a ela associados.
Ao saborear, utilizamos todos os nossos sentidos, mais ou menos nessa ordem: visão, olfato, audição, tato e paladar.
Por isso, aqui neste espaço vamos versar muito mais do que receitas. Vamos viajar. Vamos navegar pela história, a geografia, a literatura, a pintura e, por aí, vai.
Venha comigo, embarque nesta nave.